terça-feira, 12 de setembro de 2017

Capítulos 5 - Samaritanos
No outro dia, logo após a oração matinal, foi dado o alarme. 

Aproximavam-se os samaritanos.

Continuamos no pátio para esperá-los.


O portão foi aberto e eles entraram.


Vieram em veículos que não há como descrever.


 Não há condições de transmitir situações idênticas,
porque não são iguais, nos dois planos de vida. Só posso transmitir semelhanças de estados psíquico e
espiritual. Podem haver semelhanças visuais, mas não fatos iguais no conteúdo externo e interno.


Ficamos a observá-los, menos Joaquim, que foi ajudá-los.

Samaritanos são os trabalhadores do Posto que saem pelo Umbral a socorrer os que querem auxílio. Estavam vestidos, para melhor trabalhar, de botas altas e capas com gorro de tonalidades do bege ao marrom-claro. 

Como as que usamos para atravessar o Umbral. Os
socorridos estavam seminus, e os poucos vestidos tinham suas roupas sujas e em farrapos. Apiedamo-nos.


Estavam sujos, com cabelos e unhas grandes. Uns falavam, outros permaneciam como múmias, não se
mexiam, embora estivessem com os olhos abertos e aterrorizados. Muitos gemiam tristemente. Por um
instante entristeci. Ver aqueles irmãos daquela forma era comovedor. Nunca pensei em ver tanto sofrimento.


Muitos apresentavam sinais de torturas. Ficamos em silêncio, parece que por momentos não tivemos vontade de falar, a cena nos comoveu.


Uma senhora socorrida, ao ver uma das trabalhadoras, exclamou:


Um anjo! Você é um anjo! Socorra-me, pelo amor de Deus! Os socorridos foram levados para uma
enfermaria própria, especial, para serem limpos e alimentados. Depois seriam encaminhados para as
enfermarias e separados, conforme seu estado.


- Por favor, deixem-me ficar com ela!


Um homem segurava a mão de uma mulher, que dormia em pesadelo.


- Providenciarei para ficarem juntos. Obrigado!


Um samaritano respondeu:


Guilherme confirmou o pedido. Ficariam juntos. Normalmente, pelos seus estados, seriam separados.


Mas aqueles dois estavam unidos e o homem, em estado melhor, se preocupava com a mulher, em condições piores. Notava-se que se amavam. "Ainda bem que ficaram juntos" - pensei.


O grupo de samaritanos era formado por duas mulheres e seis homens. Cumprimentaram-nos sorrindo e foram guardar os veículos. Em seguida, esses trabalhadores iriam alimentar-se e descansar. 


Aproximamo-nos, admirando sua coragem e abnegação. Indaguei a um deles:

- Gosta deste trabalho? Faz isto há quanto tempo?


- Amo ir à procura dos que pedem auxílio em nome de Deus. Fui socorrido por uma caravana como
esta, há quinze anos, neste Posto, e há cinco anos estou nesse trabalho.


- Como se sente a senhora, sendo mulher, num trabalho que exige tanta coragem? - Indagou o nosso distraído Zé a uma das trabalhadoras, uma moça de seus trinta anos e muito bonita.


- Não existe no plano espiritual trabalho só para homens ou mulheres. Aqui somos criaturas de Deus.


Gosto do que faço. Cada vez que regresso ao Posto com irmãos sofredores, é alegria para meu coração.


A caravana trouxe vinte e um socorridos. Esses trabalhadores ficam dias pelo Umbral, vão a todos os lugares onde há necessitados, socorrendo sempre muitos irmãos.


O tempo de permanência no Posto varia de dois a três dias. Nesse tempo fazem planos, traçam rotas
para o próximo socorro.


Logo depois de os socorridos terem sido recolhidos, a torre deu o alarme.


O som deste é uma campainha suave. Há quatro modos de dar o alarme. Três curtos, como foram
dados para os samaritanos, aproxima-se diligência do bem. Um toque suave e longo significa aproximação de irmãos ignorantes.


Outro toque mais alto é para alertar sobre ataques; o que tem um som diferente, avisa que o Posto está
para ser atacado por muitos espíritos. Nada de escândalos, tudo é tranqüilo, porém o som é ouvido até onde estão as pessoas que necessitam ser alertadas. A campainha não toca nas enfermarias.


O guarda da torre nos disse que se aproximava um grupo de dez irmãos trevosos. - Esperemos para ver o que querem - disse Guilherme. Novamente o guarda disse que o grupo havia parado a alguns metros. Logo escutamos gritos.


- Que gritam? - Indagou Luíza. - Dizem Valéria?


- Acho que é Venâncio - disse James.


Um dos socorridos saiu do pátio desesperado.


- É este! É Valêncio! - Explicou um samaritano.


O homem estava em horrível estado, fora torturado e se mostrava muito machucado, os sinais de
tortura marcaram-lhe todo o corpo. Guilherme e um dos trabalhadores o pegaram, levando-o novamente para dentro.


Frederico nos explicou:


- Este socorrido estava sendo torturado por esse grupo. Arrependeu-se e pediu, a tempo, auxílio em
nome de Deus. Desta vez, os socorristas o trouxeram, e seus carrascos vieram atrás dele. Vão levá-lo agora para uma câmara onde não escutará esses chamados.


- Que será que ele fez para ser tratado assim? 


- Indagou Glória com piedade.

- Infeliz de quem faz maldades, porque nem sempre quem as recebe, perdoa. Chega um dia em que a
morte faz com que se encontrem. Certamente o torturaram por vingança - esclareceu Frederico.


- Se eles gritassem meu nome, ficaria, como ele, desesperada? - Perguntei impressionada.


Frederico sorriu e disse:


- Certamente que não. Você não tem vínculos com eles. Para sentir seus chamados é preciso estar
vinculada a eles, ter as mesmas vibrações e ter ficado muito tempo, como esse irmão ficou, com eles. Se um grupo a chamasse, ouviria, simplesmente. Não deve temer.


O medo é para quem duvida.


O guarda da torre ficou atento, mas os do grupo gritaram de longe por trinta minutos. Não tendo
resultado, resolveram ir embora.


- E se atacassem? - Perguntou Luíza preocupada.


- Teríamos que nos defender com raios elétricos 


- respondeu Guilherme tranqüilo.

- O que presenciamos aqui acontece sempre? 


- Indagou Ivo.

- Sim. Às vezes ficam inconformados ao perderem suas vítimas. Alguns, como esses, só os chamam,
outros nos atacam. Mas, uma vez aqui dentro, ninguém sai se não quiser - respondeu Guilherme.


Eram onze horas da manhã, hora de partirmos.


Despedimo-nos alegres, pois voltaríamos ao Posto
para estudar o Umbral. Guilherme nos agradeceu, e Raimundo retribuiu os agradecimentos em nome de
todos. Saímos pelo portão e em fila. Iríamos a pé até o Caridade e Luz e então tomaríamos o aerobus que nos levaria de volta à Colônia.


No Umbral estava frio, mas não percebíamos. 


Como já disse, aprendemos a neutralizar a temperatura exterior. Mas sentia-me um pouco sufocada. Fiquei bem perto do Flor Azul, que continuava tranqüilo.

Confesso que o Umbral me dá medo. Ler ou ver em filmes é uma coisa, mas, lá, pessoalmente, é outra.


Nada tem de bonito ou agradável. Voltamos sem problemas. Quando chegamos ao Abrigo Caridade e Luz, foi um alívio. Só paramos lá para pegarmos o aerobus. Estava cansada, e a condução veio em boa hora.

Que gostoso é estar na Colônia! Chegamos à noite e fomos direto para nosso alojamento, onde nos
alimentamos e descansamos. Gostava de anotar tudo o que via, e era nessas horas de descanso que o fazia; depois de ter anotado, dormi algumas horas.


No outro dia cedinho, tivemos a aula de conclusão.


As perguntas foram muitas.

- Os trabalhadores do Posto recebem bônus-hora? E os samaritanos ganham mais? - Indagou Cecília.


- É fácil aprender. Estudei o assunto no curso de alimentação que fiz na Colônia e transcrevi no livro
Violetas na Janela; o desencarnado que não sabe neutralizar a temperatura exterior sente frio e calor.


Raimundo foi o escalado para responder:


- Para todos são contadas as horas de trabalho.


 Recebem bônus-hora os que querem e precisam.

No trabalho que requer mais esforço e se despende mais energias, recebem dobrado e, às vezes, triplicado, como o dos samaritanos.

- Os samaritanos são atacados? - Quis saber Glória. - Esses trabalhadores são chamados de muitas formas: missionários, emissários etc. 


São atacados muitas vezes. Saem sempre pelas regiões do Umbral e, às vezes, ficam no Posto somente por horas. Rara é a excursão em que não são atacados. Nossos amigos não são intimidados com isso. Possuem redes de proteção e estão sempre com os lança-raios, aparelhos de defesa pequenos. 

São espertos e se saem sempre bem, porque não estão a fim de brigas e, por isso, impõem respeito.

- São heróis! Que trabalho difícil! Admiro-os! Eles têm folga? - Marcela falou entusiasmada.


- Têm folga sim e as passam como querem, uns vêm à Colônia, alguns visitam amigos e outros ficam
no Posto.


- Eles percorrem todo o Umbral? - Perguntei.


- Sim, percorrem. Em cada excursão vão para uma parte do Umbral. Vão em todas as cavernas,
buracos, vales, enfim, por todos os lados. São experientes e conhecem todos os lugares do Umbral nesta região.


- Eles vão também às cidades do Umbral? 


- indagou James.

- Sim, vão. Algumas vezes, pedem autorização para pegar alguns que querem socorro. Outras vezes,
os samaritanos são vistos pelos habitantes das cidades do Umbral socorrendo alguns irmãos. 


Quando esses irmãos não são do interesse dos que lá moram, os samaritanos trabalham sem problemas. 

Mas, quando eles querem socorrer alguém que interessa aos moradores da cidade do Umbral, os samaritanos entram sem serem vistos. Como ocorreu no caso daquele torturado que vimos e que foi chamado pela turma, de fora do muro.

- Há socorristas pelo Umbral, no mundo inteiro? 


- Cida perguntou.

- Sim, pelo Umbral de toda a Terra há socorristas que trabalham em nome de Jesus, auxiliando todos
os que sofrem e clamam por ajuda.


- Esses socorristas nunca ficaram presos? 


Os espíritos ignorantes que gostam do Umbral nunca prenderam alguns deles?

- Indagou Nair.


- Não tivemos notícias de acontecimentos deste tipo. Num aperto maior, eles podem mudar a vibração e tornar-se invisíveis para os outros.


Resmunguei baixinho, e Raimundo me disse:


- Patrícia, quer falar alguma coisa?


- Estou pensando: não quero nem trabalhar num Posto de Socorro nem no Umbral, acho que não
tenho jeito. Mas admiro os que lá trabalham.


- Essas tarefas requerem pessoas com muito amor e caridade. Por isso, devemos respeitar esses
trabalhadores e admirar o que fazem.


Todos nós olhamos para Joaquim, que ficou encabulado. 


-Aqueles que vimos nas enfermarias dos
Postos demoram para melhorar? - Perguntou Cida curiosa.


- Depende muito de cada um. Há irmãos que levam anos para melhorar, para outros a melhora leva
meses.


- Existe socorrido que não gosta do Posto? 


- Indagou Ivo.

- Sim, existe, embora os que para lá são levados queiram o socorro, pois estão quase sempre cansados de sofrer. Estes são normalmente agradecidos. Não podemos levar irmãos que não estejam arrependidos e não queiram o socorro, porque eles acham tudo ruim. Outros dizem que nos Postos há muita disciplina e querem ir embora. 


Alguns espíritos que não sofreram o suficiente e que são abrigados em Postos de Socorro, a pedido de terceiros ou por equipes que trabalham em Centros Espíritas, muitas vezes não gostam e não ficam, voltando aos ex-lares e a vagar.

- Eu - disse Rosália - estive no Vigília como socorrida. Sou grata a todos. Mas ver o Posto como
aprendiz é diferente.


- Claro. Estava enferma, necessitada, conheceu as partes que lhe cabia habitar. Agora, foi conhecê-lo
como estudante, e tudo lhe pareceu diferente.


- Rosália, você lembra alguma coisa de quando esteve lá como socorrida? - Zé perguntou.


- Sim. Como esquecer o sofrimento? Era um farrapo humano, foi doloroso.


O remorso é fogo a queimar.


Como não houve mais perguntas, Raimundo disse: 


- Façam uma redação, escrevam o que viram, o que mais os impressionou.

Não é um trabalho obrigatório. Farão a redação só os que quiserem. Aqueles que têm dificuldades
para escrever e preferem falar, contarão o que sentiram e do que gostaram. Alguns preferem ficar só escutando.


Foram quinze a ler o que escreveram. Todos falaram dos samaritanos. Trocamos idéias. Ivo e Luís disseram que, após o curso, irão trabalhar num Posto no Umbral.


Conhecer esses Postos, esses lugares de paz no meio do sofrimento, nos foi gratificante. São casas de
socorro abençoadas. São refrigério aos irmãos atormentados.


Que bom que há esses locais, e como é maravilhoso neles existirem os trabalhadores do bem!

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