segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Capítulo 14 - Umbral

Tínhamos algumas horas livres, antes de começar o novo tema de estudo: o Umbral. Aproveitei para
meditar, e vieram-me à mente recordações... Lembrei-me do que meu pai nos falou certa vez, no aconchego do lar, sobre o Umbral. A natureza não se desvia do caminho do aperfeiçoamento, da manifestação Divina.


Aonde quer que olhemos, há evolução mesmo que lenta, mas constante. Parece-nos que, somente no âmbito hominal, há possibilidade de recusa desse crescimento, embora muitos não o admitam. Mas, se não houver evolução, há estagnação no plano mental egoísta. É uma verdade patente, exposta de uma forma tão agressiva nas regiões umbralinas, que chega a nos causar arrepios.


Parece ser ali a morada de todas as misérias imagináveis. Espíritos que se transformam em farrapos humanos, cultivando entre si a promiscuidade, o medo, a miséria e a exploração feita pelos mais sagazes e violentos.


A natureza parece estar sempre carrancuda e revoltada, pois o dia nunca amanhece totalmente, e a penumbra é uma constante. Às vezes, violentas tempestades assolam essas regiões, num esforço supremo de aliviar, limpar acúmulos de miasmas e trevas criados pelo homem profundamente egoísta.


Ali se reúnem, numa convivência deprimente, espíritos invigilantes que, na Terra, não se
preocuparam com o crescimento espiritual, pois, se não fizeram o mal, o bem também não realizaram. 


E dessa maneira criaram débitos, porque, quando se pode, deve-se fazer. E nós podemos refletir a luz, a
harmonia, a bondade e a fraternidade de Deus.


Certamente, o Umbral não é um lugar agradável. Se a maioria dos encarnados tivesse idéia do que é
viver nele, mesmo que por determinado tempo, aproveitaria mais o período da encarnação para aprender, viver no bem e modificar-se interiormente, fazendo-se merecedor de moradas melhores, ao desencarnar.



Nunca pensei em ver tantas coisas diferentes como as que havia na aula teórica sobre o Umbral. Os
filmes foram separados por itens. Primeiramente, vimos filmes sobre a vegetação. No Umbral ela é sempre pouca e não é constituída de muitas espécies. A maioria das árvores são retorcidas, com troncos grossos, e não muito altas. Em alguns lugares, há vegetação rasteira que lembra ervas e capins da Terra. Servem de alimentação a muitos espíritos que lá vivem. Varia a vegetação pelos muitos pedaços do Umbral.


Vimos primeiro a da nossa região, depois a do Brasil e, por fim, a do mundo.

Depois mostraram os animais, as aves, que também são de poucas espécies, desprovidos de beleza,
mas úteis.


Vimos as diversas formas de cavernas, grutas e abismos existentes no Umbral.


- Tudo isto existe porque tem quem os habite - disse D. Isaura.


Filmes exibiram os diversos tipos de habitantes do Umbral, que podem ser divididos em grupos. Os
chefes, que são espíritos inteligentes, normalmente estudiosos de magia, ávidos de domínio, odeiam quase sempre o bem e os bons. São na maioria feiticeiros.


Normalmente os grandes chefes têm aparência comum de humanos. Com formas extravagantes, só se apresentam os subchefes e os subordinados.

Há os que trabalham com os chefes, membros do grupo, do bando. Muitos dentre eles são também
estudiosos, feiticeiros, conhecedores das leis naturais. Obedecem às normas do grupo. Embora considerados livres, não são realmente, pois não abandonam facilmente o bando e recebem castigos por desobediência.


Dizem gostar do que são e do modo como vivem.


Encontram-se também pelo Umbral espíritos solitários, mas são poucos. A maioria deles vive nos
grupos.


Há os que vagam, em turmas de arruaceiros, entre o Umbral e a Terra.


Há os escravos, os que não servem para pertencer ao bando, trabalham, não recebem nada em troca, a
não ser castigos, se não obedecerem.


Existem também os que são torturados e tratados assim, na maioria, por vingança.


Assim como há os que dizem gostar de já há também os que consideram o Umbral o inferno, penam por vagar sem rumo, sofrendo pelos seus erros.


Agrupam-se em cidades, pequenas vilas ou núcleos.


Vimos muitas cidades nos filmes, Todas elas têm
a mesma base. O melhor prédio é para o chefe, há o local para as festas e o salão de julgamento ou audiências, A maioria delas tem biblioteca com livros de magia e obscenos. Livros e revistas em sua maioria também editados na Terra.


Só que os encarnados têm livros e revistas bons e maus, e lã só há os ruins. Vimos, espantados,
cidades enormes com muitos habitantes escravos,
O Umbral das Américas é mais ameno, se comparado com da Europa e Ásia. O Umbral do velho mundo é mais fechado, com abismos enormes e horripilantes.


Vimos muitos filmes sobre cada Umbral de outras regiões, porque na aula prática iríamos visitar só o
da nossa região.


- Por que é permitido existirem esses chefes? 


- Perguntou Rosália, impressionada com o poder que eles têm.

- Todos nós temos nosso livre-arbítrio - respondeu Raimundo. - Somos o que desejamos ser. Tudo
nos é permitido, mas nem tudo nos convém. São espíritos ávidos pelo fascínio do poder.


- Não seria interessante que uma equipe de bons espíritos os doutrinasse? - Indagou Rosália
novamente.


- Surgiriam outros. Muitos esperam uma vaga de chefe. Entre eles sempre há a disputa pela chefia. 


Só quando apresentam sinais de cansaço é que existe oportunidade de mudança. Mas eles, como são inteligentes, sabem que um dia terão que mudar.

- Eles não temem ser expulsos da Terra, quando ela passar de planeta de expiação para o de
regeneração? - Indagou Ivo- Ou não sabem disso?


- Sabem, mas sempre pensam que há tempo, que esse fato irá demorar para acontecer. Outros não se
importam, porque o poder lhes sobe à cabeça.


 Sabemos que nós, uma grande parte dos terráqueos, fomos expulsos de um outro planeta, que passou de mundo de provação ao de regeneração, e aqui reiniciamos o aprendizado. 

Também na Terra haverá uma seleção e nela ficarão só os bons e os que pretendem, com boa vontade e sinceridade, ser bons.

Nem nos filmes o Umbral é agradável de ver. Saber que aquilo é realidade e que ali estão irmãos
nossos deixou-me triste por momentos.


Depois meditei no que D. Isaura disse:


- Umbral não é sinônimo nem de sofrimento nem de felicidade, é um lugar transitório. É um ambiente
criado pelo mau uso da mente humana. Nem todos acham o Umbral triste e feio, muitos gostam de viver ali.


Gostos diferem-se a uns agrada a limpeza, a outros agrada a sujeira. Uns preferem a verdade, outros, a ilusão e a mentira. Depois, ninguém está ali por punição, e sim por vibrar igual ao ambiente. Os que sofrem não ficam lá para sempre, há o socorro.


A aula teórica foi ótima, vimos muito sobre o Umbral, havendo muito para ser visto e estudado.


Não nos aprofundamos, porque o tempo de estudo era para conhecermos o principal somente. O Umbral é imenso, do tamanho dos continentes.

Onde houver um núcleo de encarnados, existirá também o espaço espiritual bom e o ruim.

Núcleos são agrupamentos de espíritos. Fiquei abismada com alguns núcleos, como o dos suicidas,
que ficam quase sempre em vales e são visitados tanto por socorristas como pelos maus, que vão atormentar mais ainda os que lá vivem.


Núcleos de drogados constituem-se quase sempre em pequenas cidades. Em certas localidades são
cidades grandes, fechadas e movimentadas, onde fazem grandes festas. O local de drogados, na região, chama-se Vale das Bonecas. Nele há casas e um grande laboratório. Vimos, em filmes, como é por dentro, inclusive o laboratório.


Semelhantes se afinam e se constituem em núcleos de ladrões, de assassinos etc.


Voltamos a estudar o Umbral da nossa região. 


Vimos o mapa e tudo o que existe lá está marcado e
dividido em partes numeradas por setor, para que os socorristas tenham seu trabalho facilitado.


Em nossa região, há uma cidade umbralina de tamanho médio, com muitos núcleos. A maioria deles tem denominação dada por seus habitantes.


Algumas são interessantes, outras ridículas ou obscenas. Existe um núcleo de alcoólatras que se chama Barril Grande. Possui algumas casas emendadas umas nas outras. Há o chefe, e ali vivem outros escravos, mas não há torturados. Seus moradores também gostam de vagar entre os encarnados e embriagar-se com eles. Não fui muito entusiasmada para a aula prática. Sabia que tinha que conhecer o Umbral e, para mim, não era nada animador. Mas ele existe e não pode ser ignorado.

Saímos de manhãzinha, de aerobus, até o Abrigo Caridade e Luz. Ficamos hospedados lá por alguns
dias, excursionando durante o dia e descansando à noite. Mas também andamos por duas noites pelo Umbral.


No primeiro dia, saímos em volta do Posto. Nessas excursões socorreríamos os que nos pedissem com
sinceridade o auxílio.


Lá, o solo é diversificado, ora com lama, ora escorregadio ou seco. Vestimos as roupas especiais que já citei e colocamos luvas grossas. Muitos espíritos vão ao Umbral sem nada em especial, vestindo-se normalmente, mas para nós, em estudo, foram recomendadas essas vestimentas. Flor Azul nessas excursões ficava perto de mim, mas nosso amigo muito trabalhou, estando sempre alegre e feliz.


Ver pessoalmente, estudar o Umbral, é diferente de ouvir, falar, ler uma narrativa, assistir a filmes.


Também difere conforme o gosto do narrador. 


Embora saiba que é útil e necessária sua existência, achei um lugar feio e horripilante. Dei graças, muitas vezes, por não ter vagado, nesta minha desencarnação, por aquelas paisagens e por conhecê-lo só em estudo.

O Umbral segue o ritmo da Terra, se na região dos encarnados é dia ou noite, se chove ou não, se faz
frio ou calor, lá também acontece o mesmo.


No Umbral, o odor é ruim, cheira a sujeira, lama podre e mofo. O ar é pesado e sufocante.


Na sua parte mais amena e na região onde está o Abrigo Caridade e Luz, a vegetação é maior,
rareando onde ele é mais fechado. Nas cavernas, grutas, não há vegetação e se houver é bem pouca.


Cada um de nós levava uma mochila que continha uma lanterna, uma rede de proteção pequena, um
mini lança-raios, lençóis para envolver os socorridos, porque esses infelizes estão normalmente em farrapos, ou algumas vezes nus.


Poderíamos desta vez conversar. Ao escutar vozes, gritos de socorro, íamos até eles. 


Aproximávamonos, conversávamos com os necessitados, explicando em que consistia nosso socorro. Que seriam levados para o Posto, onde reina a disciplina, a ordem, e seriam curados, mas teriam que estar dispostos a mudar de vida. Uns queriam ficar livres dali, às vezes estavam em grutas, buracos ou na lama, queriam o bem-estar, mas não estavam dispostos a se modificar ou ir para o abrigo. Os que não desejavam vir conosco, apenas os tirávamos dos buracos, das grutas ou da lama, limpando-os e deixando-os seguir para onde quisessem. A maioria ficava por lá a vagar.

Durante a excursão, encontramo-nos com muitos deles. Uns pediam que os levasse até onde estavam
os encarnados, e lhes dizíamos não poder. De fato, tínhamos ordem de não levá-los, nem de ensiná-los a fazer isso.


- Se eles forem até os encarnados, irão atormentá-los e vampirizá-los - disse Joaquim. - Mas,
infelizmente, os moradores daqui ensinam a muitos.


Não sabem ir sozinhos? - Indagou Ivo a Joaquim. É muito difícil ir sem conhecer o caminho.


Vimos alguns guardas da cidade do Umbral a vigiar espíritos presos em buracos, na lama etc. Eles
não gostam que sejam soltos, mas quase sempre se afastam com a presença dos bons. Estávamos em um
grupo grande. Além de nós, em trinta integrantes, havia três instrutores, Flor Azul e mais cinco trabalhadores do Posto nos acompanharam. Mas alguns grupos atacavam, jogando em nós imundície, lamas fétidas, pedras etc. Abríamos as redes e tentávamos conversar com eles. Se não paravam com o ataque, respondíamos com nossos lança-raios e eles saíam a correr.


- Se um bando grande nos atacar? - Indagou Nair preocupada.


- Bandos maiores não irão se interessar em defrontar-se conosco - disse Raimundo. - Mas, se
sentirmos a presença de um ataque maior, voltaremos ao Posto imediatamente.


Estudamos a vegetação, chegamos perto, passamos a mão, fomos até os filetes d’água, estudamos o
solo, as pedras. Estávamos distraídos vendo as pedras, quando Raimundo pediu que nos juntássemos.


- Vamos, daqui a minutos, ser atacados. Logo ouvimos blasfêmias, gritos e uivos.


- E o professor de araque que está dando aulinha e seus feiosos alunos - falou uma voz, aos gritos.


- Não queremos conversas. Podem se defender que vamos atacar. Seus atrevidos! Nós não vamos
onde vocês moram estudar nada. Vocês não têm nada a fazer aqui. Querem copiar a paisagem? Têm que pagar! Riram escandalosamente. Abrimos as redes e permanecemos em silêncio. Ficamos, Nair e eu, pertinho de Flor Azul. Rosália teve medo, e Frederico teve que ampará-la. Jogaram em nós diversas imundícies.


- Não vão parar? - Indagou Raimundo alto.


- Estamos aqui em paz!

Risadas e gritos foram a resposta, e continuaram nos atacando.


- Aos raios! - Disse Raimundo.


Alguns de nós atiraram com os lança-raios. Os projéteis clarearam o local. Resistiram por minutos,
esconderam-se atrás das pedras. Mas muitos foram atingidos, caíram, ficando paralisados por horas. 


Quem é atingido tem a sensação de que está morrendo de novo. Foram retirando-se aos poucos, pararam de rir, mas ainda blasfemavam.

Quando saíram todos, guardamos nossas redes.


- Confesso que tive medo - disse Zé. - Se fosse mulher, iria ficar encostada em um dos instrutores
como fizeram Rosália, Nair e Patrícia. Raimundo, eles não têm arma de fogo? Vejo-os com armas rudimentares.


- São as que sabem fazer. Espíritos inteligentes aqui no Umbral usam a mente para atacar. Depois,
com uma arma de fogo as balas atravessam os corpos, só ferindo. Preferem paus, correntes, esses que usam e que dão mais medo.


- Eles não têm redes nem lança-raios - observou Luís. - Se tivessem, poderíamos nos defender deles?


Se um de nós perder o lança-raios, ou a rede, saberão usá-las?


- Se um de nós perder, é muita falta de cuidado.


Devemos ter atenção com nossos objetos. Mas, se
isso acontecer, tanto a rede como os lança-raios se auto-destruirão, se usados por alguém com vibração baixa.


- Eles não sabem construí-los? - Indagou Luíza.


- Não sabem. Mas, se por acaso construírem armas parecidas, usam-nas entre si, nada aconteceria
conosco se fôssemos atacados. É por precaução que usamos estas roupas e trazemos nossos apetrechos.


Vocês estão em estudos, não têm ainda conhecimentos para vir aqui desprovidos destes materiais.


A tempestade que desejávamos ver aconteceu. 


Ficou mais escuro. Agrupamo-nos bem perto um do
outro e ficamos observando. O vento forte uivava sacudindo as árvores, entendemos o porquê de serem baixas e fortes.


Raios cortavam o ar clareando tudo, os trovões eram violentos, o barulho, ensurdecedor. Logo a
chuva começou a cair, deixando mais lama ainda pelo solo. Não durou mais que trinta minutos.


Depois, o ar ficou mais leve, menos sufocante, e o odor, mais ameno.

Por dias andamos por ali, entramos em grutas, descemos em buracos. As grutas ou cavernas por ali
não são grandes, mas vimos nos filmes algumas enormes. Nem bonitas como muitas na Terra. São todas muito parecidas.


As pedras são escuras sem beleza, é frio lá dentro, tem um salão onde normalmente há espíritos
presos. É bem fácil de se perder. A escuridão é total.


As noites no abrigo foram agradáveis, conversamos, ouvimos música, trocávamos idéias do que
víamos, alimentávamo-nos e descansávamos em nossos quartos ou alojamentos. Os instrutores e Flor Azul não ficavam conosco, iam para as enfermarias trabalhar. Todos os dias trazíamos socorridos que tinham necessidade de cuidados.


Por duas noites saímos, mas ficamos por perto do abrigo. A noite no Umbral se mostra mais
assustadora. Só se vê a lua, quando é cheia, sendo avermelhada. Lá é bem escura a noite.


Depois de conhecer todo o Umbral em volta do abrigo, partimos de manhãzinha, a pé, para o Posto
Vigília.

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