segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Capítulo 19 - Vícios

D. Isaura começou a aula falando dos vícios em geral, e deu uma definição:

- Vício é o uso costumeiro de toda e qualquer coisa que nos acarrete prejuízo. É o costume de proceder mal. Vício é doença complexa que exige vontade para libertar-se dela. Para se curar, é necessário enfrentá-lo e vencê-lo; se ele não for vencido, torna-se escravo dele. Só estaremos libertos se não tivermos vícios. Todos são nocivos para quem os tem. Às vezes, um ou dois que temos escurecem as virtudes que adquirimos.


Nossa instrutora fez uma pausa e continuou:


- São muitos os vícios e, às vezes, não os temos fortes, mas mesmo um restinho de qualquer deles nos atrapalha muito. Vou citar os mais conhecidos: agressividade, álcool, ambição, apego material, avareza, calúnia, ciúme, cólera, fumo, gula, inconformação, inveja, jogo, maledicência, mentira, ociosidade, orgulho, pornografia, queixa, roubo, tóxico, usura, vaidade.


Acho que não precisamos descrevê-los. Mas, se alguém quiser fazer alguma pergunta sobre algum, fique à vontade.

- Não pensei que a agressividade fosse um vício - disse Ivo.


- Há pessoas que, nervosas, agridem causando danos a quem está perto. Têm por mau hábito ser
violentas. O pior é que muitos agressivos não se acham viciados.


- Conheci uma senhora - disse Rosália - que vivia, quando encarnada, se queixando. Ficou antipática.


Qualquer assunto que se conversasse com ela, dava um jeito de induzir a conversa para doenças, e
começavam as queixas.


- Devemos ter cuidado para não ficar a nos queixar, não tão-só por sermos desagradáveis a quem nos
escuta, mas porque nossos pesares só tendem a aumentar e, ao ver somente os acontecimentos ruins, esquecemos os bons.


- Meu pai era um alcoólatra - narrou Luís. 


- Desencarnou por problemas que a bebida lhe causou.

Sofreu muito ao desencarnar. Por anos vagou pelo Umbral, enlouquecido pela bebida e querendo vampirizar encarnados para poder se embriagar junto deles. 


Foi tão triste! Deformou seu perispírito, parecia um bicho, quando minha avó, mãe dele, pôde socorrê-lo. Está internado num hospital de outra Colônia.

Lesou tanto seu cérebro perispiritual que acho que não reencarnará perfeito.

- É verdade, Luís - disse D. Isaura. - Quando danificamos por vícios o que temos de perfeito,
podemos reencarnar deficientes para um aprendizado. Mas esse fato não é regra geral. Seu pai, socorrido, talvez se recupere.


- Mas encarnado pode voltar a ser alcoólatra não é? 


- Indagou Luís novamente.

- Só nos livramos do vício quando provamos a nós mesmos que somos capazes. Por livre vontade,
lutamos contra ele e o vencemos. Na encarnação futura, poderá ter vontade, embora tenha sofrido, e a dor, esta sábia companheira, tenha feito com que tome aversão à bebida. Conheço um espírito que na encarnação passada foi uma alcoólatra, desencarnou, sofreu e hoje é excelente médium, não gosta nem do cheiro de bebidas alcoólicas.


- Ela venceu seu vício? - Indaguei.


- Sim, venceu. A dor fez com que aprendesse.


- Todos os vícios nos levam à dor? - Indagou Lauro.


- Depende também do mal que podem causar. 


Exemplo: se fumamos em local aberto e longe de
outras pessoas, só a nós fazemos mal. Se é calúnia, pode-se fazer mal a outros. Há vícios que não são
acentuados e por eles não se causou danos maiores, outros são fortes, enraizados e prejudicam muito.


- Tenho uma irmã que nasceu muda. Tive tanta pena dela - falou triste Nair. - Quando desencarnei
quis saber o porquê. Esse fato me incomodou muito por achá-lo injusto.


Meu pai, que há muito tempo estava desencarnado, disse que ela na encarnação passada fora uma
caluniadora. Fez muitas intrigas prejudicando muitos. Desencarnou, sofreu bastante e o remorso destrutivo danificou suas cordas vocais, e reencarnou muda.


- Como já foi dito, quem abusa do que tem perfeito pode por determinado tempo tê-lo deficiente.


Cada caso é um caso. Nem todos os mudos foram caluniadores. As causas podem ser diferentes para o
mesmo efeito. - Ela irá falar ao desencarnar? - Nair perguntou.


- Dependerá dela; se for boa nesta reencarnação, terá o socorro e logo estará falando. Se não for,
vagará, ou irá para o Umbral, continuando muda até que seja socorrida.


- Tenho um amigo - disse Joaquim - que atualmente trabalha comigo no Posto de Socorro. Disse-me
que sofreu muito ao desencarnar por dois vícios, o jogo e o fumo.


Desencarnou e queria continuar a fumar e a jogar cartas. Ele teme que, ao reencarnar, continue nos
vícios.


- Não se deve reencarnar com medo. Diga a ele, na próxima oportunidade, para continuar trabalhando
e, se possível, estudar. Só reencarnar quando estiver seguro.


- Estando seguro não irá cair no vício novamente? 


- Joaquim indagou.

- É uma garantia a mais. Se mesmo os mais preparados podem errar novamente, imaginem os que acham que irão sucumbir.


Na aula prática, fomos visitar, na Colônia, a ala do hospital onde ficam os que se desintoxicam do
fumo e do álcool. Estão todos separados. 


Primeiramente fomos visitar os que fazem um tratamento para se desintoxicar do fumo e que foram pessoas boas, algumas espíritas. Foi agradável a visita, estavam todos conscientes tanto do desencarne como do tratamento. Vimos que todos se mostravam um tanto envergonhados por não terem se livrado do vício quando encarnados.

- Aqui ficam por pouco tempo - disse Frederico.


A segunda enfermaria era de alcoólatras. 


Infelizmente, o álcool danifica muito mais o perispírito.

Conversamos com alguns deles e os animamos. Uma senhora me disse:


- Estou envergonhada de ter descido tanto por um vício. Encarnada, abandonei meus pais, marido e
filhos. Não liguei a afetos, a ninguém. Desencarnei e sofri. Até que, cansada, lembrei-me de Deus, e por muito tempo clamei por ajuda. Mas, sabe, ainda não estou bem, tenho vontade de beber.


Chorou, apiedei-me. Demos-lhe um passe. Ao me concentrar nela, vi que estava aflita, com vontade
de se embriagar.


- No começo é assim mesmo - explicou Raimundo. 


– Mas logo se sentirá melhor. A Colônia lhe
proporcionará objetivos sadios, e nada como um objetivo bom, sério, para ajudar a esquecer e a anular um vício.


A enfermaria onde estão os recém-socorridos que foram viciados no álcool é de causar tristeza.


Estavam todos marcados de tal forma, que os perispíritos se mostravam deformados. Oramos e demos passes, a maioria estava alheia, com olhares abobalhados.


Os viciados em tóxicos estão em ala separada, no hospital. É fechada e não podem sair sem
permissão.


No jardim que faz parte dessa ala ficam os que estão para receber alta. Reunimo-nos a eles. Já
estavam com o perispírito reconstituído e então conversamos. Queriam saber como são as outras
dependências da Colônia em que estudávamos. Não gostam de falar de si nem de tóxicos. Esse fato lhes traz recordações ruins. Depois fomos ver os das enfermarias. Não é agradável olhá-los. Muitos jovens ali estavam, deformados, uns com aspectos de animais, na maioria dementes, uns nem falavam, uivavam. É difícil dialogar com os que estão nesse estado, eles não entendem.


- Frederico - indagou Glória -, todos se recuperam?


- Infelizmente, não. Muitos desses irmãos não sustentaram somente o vício do tóxico, foram também agressivos, maledicentes, preguiçosos, cometeram muitos erros; o vício e o remorso destrutivos danificaram de tal forma o perispírito que não podemos recuperá-los desencarnados. Só um corpo novo, na matéria, os ajudará.


- Como deficientes físicos? - Indagou Glória, espantada.


- Sim. Eles mesmos se danificaram. A reencarnação será uma bênção que irá curá-los.


Visitamos uma parte da escola onde há orientação psicológica que ajuda na libertação dos vícios,
porém para viciados em tóxicos há uma ala própria no hospital. Bem interessante, os orientadores são muito simpáticos e instruídos. Atendem com hora marcada. Como não queríamos interromper nem vexar os consultantes, a visita foi rápida. Raimundo comentou:


- Todos temos sempre ajuda, que nos facilita deixar o vício. Basta querer. Um senhor, na sala de espera, conhecia Raimundo e foi cumprimentá-lo. Muito simpático, cumprimentou-nos sorrindo e disse:


- Queira Deus que nenhum de vocês passe pelo que passei. Por mentir, sofri muito. Tenho horror de
mentir e sinto-me sufocado só em pensar em voltar a fazê-lo. Estou em tratamento aqui na escola. 


Quero tanto me libertar do vício da mentira, e também do horror que tenho de voltar a fazê-lo.

Tenho que me equilibrar.

Ao sairmos, Marcela comentou com Raimundo:


- O horror de voltar a mentir pode lhe causar mal?


- Sim, pode, Odiar, ter horror, não é bom, por nada. 


Devemos evitar os vícios com compreensão. Não
é fácil abandonar um vício, necessita-se primeiro de se conscientizar que o tem, depois fazer tudo para se libertar dele.


Quando encarnados, provamos que estamos libertos dele, ou empenhamos nossa luta para vencê-lo.


Esse senhor teme que ao reencarnar volte a mentir e sofra tudo novamente. Mas, com a orientação que tem recebido, terá grande chance de compreender e aprender. Quem aprende e põe em prática supera o vício.


Não viemos ver viciados, encarnados. Seria mais fácil ver os que não têm vício, pois são tão poucos.


Vícios ainda, infelizmente, fazem parte da vida dos terráqueos.


Voltamos à sala de aula para assistir aos filmes sobre tóxicos. Conhecemos as plantas que os contêm, como se refina. Vimos como as drogas percorrem o organismo e o que ocorre com o cérebro; como se torna um dependente.


- Como drogas fazem mal ao corpo e ao espírito!


- Exclamou Cida, tristemente. - Como as drogas
fazem escravos!


Depois observamos muitos núcleos, cidades no Umbral, onde se reúnem os viciados em drogas. 


Esses núcleos, normalmente, não são muito enfeitados, mas bem fechados, não se entra ou sai dali com facilidade.

Os filmes foram feitos por socorristas que, disfarçados, entraram e filmaram tudo. São cercados por altos e fortes muros, seus prédios têm poucas janelas e quase todas com grades; o terrível são os porões onde estão as prisões.


Nesses núcleos, há os chefes que quase sempre não são viciados em tóxicos; lá existem muitos
guardas e também estudiosos no assunto. Há laboratórios onde se realizam pesquisas. Salões de festas e palestras. Há um local que denominam escola, onde se aprende a vampirizar, a obsedar, a vingar-se, a intuir os encarnados invigilantes a usar drogas. Os núcleos têm sempre bibliotecas, onde, além da péssima literatura, são encontrados muitos livros e revistas sobre tóxicos. Esses núcleos têm como finalidade incentivar e exercitar os vícios do fumo, de bebidas, e também os abusos da sexualidade. 


Tudo é sujo e de causar repulsa.

No Brasil, há agrupamentos assim, de diversos tamanhos. Os maiores são os do espaço espiritual da
cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo.


Entendi o porquê de as drogas deformarem tanto. 


Um drogado não liga para nada, vai decaindo cada
vez mais.


Vimos muitos núcleos e fiquei com muita pena.


- Aqui estão Marcelo e Fábio, dois ex-drogados, ex-moradores do Vale das Bonecas. Vieram
responder a algumas indagações e conversar conosco.


Surpresa agradável, os dois eram jovens, alegres e simpáticos. Fábio foi logo dizendo:


- Eu era assim antes de me viciar, depois virei um farrapo humano. Desencarnei de tanto drogar-me.


Vivi no Vale por um bom tempo. Mas minha família, muito católica, orava com fé por mim. A oração vinha até mim a iluminar-me, dando lances de clareza, aí me dava vontade de mudar. Um dia, ao vampirizar um jovem, fomos, a turma e eu, cercados por um grupo de estudantes como vocês.


Pedi socorro, eles me levaram para o hospital, fui internado e tratado por longo tempo. Agora estou servindo à comunidade que me abrigou.

- Que sentia quando estava no Vale? - Glória indagou.


- Só pensava em me drogar. Desencarnado, sentia mais falta da droga. Fazia tudo o que mandavam
para ter a droga.


- Você ficou muito deformado? - Ivo quis saber. 


- Sim. Um dia, ao estar num quarto com um encarnado para juntos usufruirmos da cocaína, olhei no espelho e me assustei. Pouco me lembrava de mim sadio.

- Marcelo, e com você o que se deu? Como caiu no vício? Rosália perguntou.


- Era um tanto vadio, ocioso e me enturmei com outros viciados. Droguei-me dois anos e meio
somente.


Desencarnei por uma overdose. Fui levado para o Vale. Achei terrível e, no começo, me drogava, mas
pouco, somente para enfrentar a barra que é lá.


Depois, não quis mais e tentei fugir, fui pego e torturado. Foi horrível, sofri muito. Certo dia, alguns socorristas disfarçados entraram lá, fazem isso periodicamente, e me libertaram.

Como queria me livrar do vício, o tratamento foi rápido, e logo sarei.


- Que mais sentiu em tudo isso? - Perguntou Marcela.


- Foi a dor que causei a meus pais.


O tóxico é um vício terrível, e as conseqüências, muito tristes. Por horas os dois ficaram conversando
conosco.


Depois, visitamos o Posto de Socorro da região, onde são socorridos, e lá ficam, nos primeiros dias,
os viciados em tóxico. Chama-se Posto de Apoio. 


Muitos trabalhadores moram lá. Não é grande, porém tem cercados e grandes lança-raios. Esse Posto é muito atacado. Está localizado no Umbral.

Fomos de aerobus.

Seu pátio é bonito, florido, possui flores azuis parecidas com hortênsias e são delicadas. Possui muitos bancos, onde os trabalhadores descansam.


Tem uma sala de palestra, refeitório, moradia dos trabalhadores e as enfermarias, espaçosas e muito limpas. Os abrigados são separados, conforme o estado de cada um. Não ficam lá muitos abrigados, já que depois de algum tempo são transportados para a Colônia. Tendo vagas, recebem socorridos de outros locais.

Os recém-socorridos viciados são separados dependendo de sua situação. Os leitos para os inquietos, agitados, são cobertos por lençóis magnéticos que prendem o doente ao leito, sem privá-lo de movimentos.

Ajudamos os trabalhadores a limpá-los e a alimentá-los. Muitos nem falavam, uivavam como animais.

Para socorrer os intoxicados necessita-se sempre de muitos trabalhadores. Por isso na Colônia estão
sempre incentivando a cooperação de todos. Nas folgas e férias dos trabalhadores das Colônias e Postos, como os professores, os médicos etc., muitos se unem a esses abnegados servidores, como multidões a auxiliar os irmãos imprudentes que caíram no vício.


A ajuda não é fácil, porque quase sempre o viciado não quer abandonar o vício.


Nós mesmos fomos com bastante vontade de ajudar, trabalhamos muito e conseguimos poucos
resultados, mas esse pouco nos deixou alegres.


Na aula de conclusão não tivemos muito a perguntar. Matéria fácil de entender, mas tão difícil de realizar. São poucos os libertos, muitos tentando libertar-se e grande parte, escravos dos vícios.

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